ADVERTÊNCIAS: Essa postagem só deve ser lida para maiores na VIDA! É longa. Pode causar efeitos colaterais.
Ainda me impressiono com a dificuldade que muitas pessoas enfrentam diante de um diagnóstico, adoecimento e morte. Vivi isso bem recentemente.
Alguns familiares e amigos preferiram fingir que nada estava acontecendo comigo e escolhiam conversar sobre qualquer coisa, menos de que realmente importava. Outros se afastaram como se estivesse carregando a peste. Não os recrimino. É, de fato, assunto delicado.
Em nossa cultura, procuramos visualizar a morte como algo impessoal e distante, exultando com notícias sobre novos medicamentos e recursos terapêuticos para prolongar mais e mais a vida. Sonhamos com o elixir da eterna juventude. Porém, ainda que nos iludamos com a idéia da imortalidade neste mundo de impermanência, a morte será sempre nossa mestra e companheira, da concepção até seu abraço final.
Em vez de fingir que ela só existe para os outros, melhor assumir a realidade: para os outros, o “outro” somos nós mesmos. Também temos Tânatos – a morte, na mitologia grega – como nosso constante companheiro.
A respeitada revista inglesa - The Economist – produziu e publicou relatório sobre a habitabilidade (liveability) nos diversos países, sob o título “A qualidade da morte – avaliação dos cuidados no final da vida em redor do mundo”.
Habitabilidade é palavra utilizada para definir as condições de vida da população de uma determinada região. Adivinha qual posição o Brasil ocupou? Vergonhosamente o penúltimo lugar!
Poucos sabem que o índice Qualidade de morte existe e faz parte da conhecida e alardeada Qualidade de vida. Ele se refere ao que ocorre a um enfermo em fase terminal de sua doença e à sua família. Afinal, nem todos morrem subitamente e a vida persiste até que se estabeleça a morte cerebral. E a família é parte essencial desse processo.
A qualidade de morte é avaliada pelas respostas positivas ou negativas às questões:
- é proporcionado um grau satisfatório de conforto físico, psicológico e espiritual para o enfermo e seus familiares?
- Suas dores são aliviadas adequadamente?
- Sua necessidade de mobilização lhe é proporcionada de forma satisfatória?
- Seus questionamentos e os de sua família são respondidos com veracidade, respeito e clareza?
- Seus medos e suas angústias são acolhidos, assim como os de seus familiares, sendo respeitados e trabalhados por profissionais devidamente preparados?
- Se em razoável estado de lucidez, os desejos do enfermo são atendidos, somente com restrições absolutamente incontornáveis? Nessa mesma condição de razoável lucidez, suas vontades são respeitadas por todos?
- Se desejar, ele recebe a assistência espiritual de um ministro ou agente religioso, estritamente dentro de sua crença?
- Se manifestar que já não quer receber tratamentos e procedimentos que lhe são desconfortáveis, às vezes, extremamente dolorosos e, sobretudo, sabidamente ineficazes ou com remotíssima possibilidade de trazer reais benefícios, seu desejo será respeitado pela equipe médica e pelos familiares?
Desde o início do meu trabalho num hospital geral hasteio a bandeira da dignidade para o nascer tanto quanto para morrer. De nada adianta aplaudirmos e repassarmos os inúmeros emails – recheados de imagens e espiritualidade - recebidos, se não construirmos nossa prática com aqueles bem próximos de nós. Pude praticar com minha mãe e recentemente com meu “papito”. E posso assegurar que minha(s) irmã(s),meus sobrinhos e eu estamos mais confortáveis em nossa saudade.(RR)
“Observar a morte em paz de um ser humano faz-nos lembrar uma estrela cadente. É uma entre milhões de luzes do céu imenso, que cintila por um breve momento para desaparecer para sempre na noite sem fim. Ser terapeuta de um paciente que agoniza é conscientizar-se da singularidade de cada indivíduo neste oceano imenso da humanidade. É uma tomada de consciência de nossa finitude, de nosso limitado período de vida. Poucos dentre nós vivem além dos setenta anos; ainda assim, nesse curto espaço de tempo, muitos dentre nós criam e vive uma biografia única e nós mesmos tecemos a trama da história humana”. (Dra. Elisabeth Kübler-Ross).