Novembro chegou com finados e algumas
lembranças e reflexões. O primeiro pensamento que tive sobre os limites da vida
foi alarmante. Devia ter uns cinco anos. Nessa época, gostava de ficar ao lado
da minha mãe enquanto ela cozinhava. Às
vezes, fazia perguntas difíceis, tipo: "Por que meu pai morreu?" Não
entendia essa história dele “estar no céu” ou de visitá-lo numa lápide fria. De
alguma maneira, em ocasiões inspiradas, ela me dizia que um dia iríamos nos
reencontrar. Que a vida era feita de ciclos e que bastava olhar a natureza, as
plantas. Cresci. Passei a observar, principalmente com minha prática num
hospital geral, que a natureza da morte foi transformada em convicção, que nos
fizeram crer estar cindida da vida. O nascer é então glorificado e o morrer um
sacrifício insuportável.
Morte e vida não podem ser
vistas como opostas, pois, além de pertencerem ao mesmo processo, estão acontecendo
ao mesmo tempo no ambiente físico e psíquico do Homem. Compreender a morte traz
um conceito verdadeiro da vida, do amor, da lealdade e também da felicidade. É
ir ao fundo da alma, do mundo subterrâneo, onde tudo é transformador. Ao
emergirmos de lá, nos tornamos mais sábios e capazes e acompanhar o processo
complexo que é a própria vida. No mergulho da alma, compreendemos a natureza e
ressurgimos com lições para perceber novos caminhos, tendo a força de vida para
enfrentar as fases difíceis e a paciência (ah meu D’us. quantas vezes peço-te dai-me
paciência Senhor?!) para aprender a amar e respeitar a vida e a morte com
profundidade, sabendo que ela faz parte do macrocosmo e que, portanto fazemos
parte do todo, do uno.
Sei que não é bem assim. Mas
sei também que as respostas que li nos livros de Deus e dos homens ainda não me
satisfazem. O velho testamento, por exemplo, traz um D'us tão cruel que eu não
aguento. O meu ser arrepia-se inteiro e encolho-me de medo. Como sei que isso
não é justo, busco outras linhas para me inspirar. Leio um pouco de tudo.
Quando li Nietzsche encantou-me a coragem de dizer que, em troca de uma vida eterna, morre-se
muitas vezes antes de viver. De fato, matar um querer, por culpa, é dizer
não ao desejo de expansão da alma. Saramago também me surpreende. No livro Caim,
ele resolveu se rebelar contra o D’us do antigo testamento e concluiu: “a história dos homens é a história dos
seus desentendimentos com D’us, nem ele nos entende a nós, nem nós o entendemos
a ele”. É por essas e outras que, às vezes, paro tudo e olho para o
céu. Ocasião em que penso na vida e na desimportância dos meus sofrimentos. Penso
nos prazeres e no dia em que vou viver plenamente, penso que, se não alcançamos
os limites do mundo, se não entendemos a presença de D’us, se não podemos
compreender o intangível universo existencial, viver deve ser mais simples.
Esse é o meu jeito de ir para o céu.
É preciso aprender a ouvir a
voz do coração, a voz interior, mergulhar no inconsciente e perceber sem
negação aquilo a que se propõe a alma, seja belo ou não. Ao observar os ciclos
da natureza, percebo a sincronicidade do Universo, onde tudo tem um sentido e
nada é casual... Até mesmo a morte.